Aos inesquecíveis

Há lembranças que não se perdem. E quando voltam, são como uma chama na alma que não nos fazem esquecer o bom daquilo que passou. Mesmo que tenha sido à muito tempo.

[suspiro]

Estou de partida para Bruxelas e Paris. Parto no final da semana. E ontem, ao olhar para as janelas embaciadas com o frio e ao pensar naquilo que tenho de por de parte como bagagem, veio-me, como um sopro, uma vaga lembrança, a imagem da Sílvia. A sempre doce e bela, Sílvia.
Há uma razão por eu ter pensado nela, mas eu já chego a essa parte.
A Sílvia foi o meu primeiro amor. Talvez o grande amor da minha vida pois tudo o que lhe seguiu põe-se noutro patamar.
Foi uma amiga de infância. Um amor infantil. Eu teria 6 quando a conheci. Ela teria 7. Vivíamos no mesmo prédio, no mesmo andar e de frente um para o outro. Trocámos as primeiras palavras num parque, ambos à procura de alguém para brincar. Ela era mais velha, eu era mais novo. Ela era alta, calma e reservada. Eu não passava de um puto traquinas. Poderia nunca ter resultado mas descobrimos que estávamos destinados um ao outro.
As recordações de infância surgem-me como diapasões; ecos fragmentados de imagens, sons e cheiros, sempre desordenados e nunca completos. Mas há coisas que me lembro com uma alegre nitidez. Lembro-me dos saltos dos baloiços em pleno ar para agarrar as nuvens; lembro-me das quedas das bicicletas, dos jogos de escondidas. Da cumplicidade.
Ensinei-lhe a jogar ao guelas e ela em troca ensinou-me como beijavam os meninos da sua idade. Um tímido toque de lábios seguido de um leve roçar de línguas. Algo rápido, doce e de palpitar o coração.
Fiquei desconsolado quando um dia a sua família partiu para irem viver para Bruxelas, levando-a para longe de mim. Os dias que lhe seguiram pareceram passar sem cor. Os sítios e lugares do costume ficaram diferentes e o ânimo só veio quando me acostumei a viver sem ela.
Contudo, ela não desaparecera. Voltei vê-la depois desse dia e sempre tive notícias suas.
As nossas mães são amigas que têm por hábito trocar cartas uma com a outra e pelo menos de dois em dois anos, sempre que a família dela passava por Lisboa ou vice-versa, tinha a oportunidade de a rever. Sempre que isso acontecia algo em mim acendia-se, só com o seu vislumbre ao longe.
Mas os anos foram passando e nós fomos crescendo. A distância atingiu-nos como um vento que divide as águas. A era da net, messenger e mails veio tarde demais. A cada encontro parecíamos mais diferentes um do outro, afastados por um poço construído por duas vidas separadas. Até que nos tornamos um par de estranhos que se conhecem por mera circunstância.
Há cerca de um mês passado, a minha mãe informou-me que a Sílvia casara-se e que fora viver para Bruges, no Norte da Bélgica.
Estando ali, a olhar pela janela para a luz difusa dos candeeiros de rua, apercebi-me que o mais provável é que nunca mais a torne a ver.
E ao pensar nisso, pensei em todos aqueles que por razões que dita a vida, estão ou poderão estar em semelhante circunstância.

E pergunto-me: quantas vezes, ao longo do trilho da nossa existência, isso acontece? Cruzarmo-nos com alguém que numa longa ou breve passagem nos acrescenta algo, mesmo que ínfimo, àquilo que somos e ao modo como vemos as coisas. E depois despedimo-nos, inconscientes do facto que esse foi o último adeus.
Não pensamos nisso, mas acontece. Com mais frequência do que julgamos.

À Sílvia e a todos esses que se foram, numa prece que poderá ser de Natal e sob a forma de um alegre múrmurio, eu digo: Obrigado. Desejo-vos tudo o que há de melhor neste mundo. E se Deus ou o destino nos der a oportunidade, eu espero… espero que nos voltemos a encontrar.

2 Cool People:

Epahhh e agora que digo?
Arrepiei-me dezenas de vezes ao ler-te. Não te larguei desde a primeira linha até tatuares o ponto final. E fizeste-me pensar nisso mesmo: nos "ADEUS". Eu que sempre detestei despedidas e lido mal com a saudade.

São os acasos? Não!É a força da distância física. Não só, é verdade. Não só. Porque tenho muitos exemplos de gente que está próxima a quem disse um "Adeus" que se prolongou até hoje.

Parabéns e obrigado por este momento fantástico. Aqui, numa redacção doentia no canto desta cidade!

Aquele abraço
PS- Vais mesmo embora?

dezembro 20, 2007 1:09 da tarde  

Vou. Mas volto. Ainda antes da passagem de ano. Dia 28 já cá estarei.

Obrigado pelas palavras.

lol, espero que "redacção doentia" seja só mesmo uma força de expressão.
E espero que um dia destes me digas o teu nome.

dezembro 20, 2007 11:09 da tarde  

Mensagem mais recente Mensagem antiga Página inicial